Sr. Deca [José Maria Rodrigues]

Este é o estimado cantador Deca Rodrigues, que me ensinou grande parte do repertório que conheço do Nove. Em inúmeras ocasiões no decorrer da pesquisa, e durante horas, ele seguia cantando cantigas e contando casos, me dando muitos e tantos elementos importantíssimos para construir o trabalho a que eu me propunha e que me guiaram em inúmeras percepções e caminhos. De voz macia e bom humor contagiante, Sr. Deca sempre foi capaz de congregar em torno de si um grande número de cantadores e cantadeiras, mais novos ou mais velhos que ele.

1946. Aquele frio mês de julho já estava findando quando Tia Maria, parteira que vivia nos arredores do córrego do Machado, foi chamada a uma casa no pequeno povoado da Lagoa da Chamexuga – uma criança estava para nascer. O bebê que ela segurou nas mãos aquele dia foi batizado José Maria Rodrigues. Ele já tinha quatro irmãos, e muitos primos, que viviam ali mesmo, perto daquela lagoa cheia de sanguessugas, e de outras águas, as do córrego da Canabrava.

Os avós de Deca tinham chegado àquelas paragens muitos anos antes daquele mês de julho. Por volta de 1928, deixaram a Lagoa do Patrimônio, onde residiam, e depois de duas léguas chegaram àquele “terreno bom, grande, e bem servido de água” de que lhes tinham falado. Antônio Cesário , o avô que Deca não chegou a conhecer, e a avó Aninha, de estatura baixa, cabelos presos em coque, vieram com os filhos que tinham. A mais nova seguiu montada na garupa de um cavalo. A irmã de Antônio Cesário já residia ali com o marido.

A família lá se estabeleceu, e os anos foram se passando. Os filhos cresceram, casaram-se, e tiveram os filhos deles, como Deca. Muitos permaneceram ali, próximo à lagoa das sanguessugas, e eram muitas as crianças que havia. Os meninos caçavam passarinhos e traziam-nos às primas e irmãs, que os limpavam cuidadosamente antes de prepará-los para que todas as crianças pudessem ao menos experimentar daquela carne de caça.

Ainda menino, Deca via o pai tocar a viola, e cantar. Também muitos tios, e ainda o irmão mais velho. Foi crescendo enquanto aprendia a manejar outro instrumento de cordas, o violão. É capaz de cantar canções e versos do Nove por horas seguidas, sempre com o instrumento entre os braços.