D. Antônia [Antônia Alves dos Santos Gomes]

Cantadeira tão competente, D. Antônia é uma velha sábia conhecedora dos matos e das roças. Me falou de preciosidades durante a pesquisa, como da capacidade da fala estendida a todos os seres no princípio do mundo, conforme contavam os antigos. Eu estava assentada próximo ao fogão de lenha, tentando ajudá-la na preparação do almoço, e nunca me esquecerei daquele momento. Ela sempre tinha algum verso ou cantiga para me contar, ou cantar, e até hoje me mostra alguns que não conheço. Há cerca de um ano e meio, quando estive na região, disse que tinha se lembrado de mais alguns, mas que agora não precisava mais, não é? Eu disse que precisar não precisava, mas que gostaria muito de conhecê-los. Aqui está um deles, sobre a saudade, tema bastante presente nos versos, cantigas e chamadas do Nove: “Saudade quando é demais/ Amarra na ponta de um lenço/ Quando chegar na chapada/ Solta na boca do vento”

Um ano antes de Ana nascer, também no princípio das águas – final de outubro –, chegava em terras bem próximas às da Lagoa, pelas mãos de Vó Senhorinha (outra parteira das imediações), Antônia, prima de Ana e Deca.

A bisavó de Antônia morava no Setúbal, na barra (foz) do córrego Canabrava, e os pais dela estavam residindo lá. Vinte e dois dias após o nascimento da filha, eles vieram para a Lagoa, onde faziam roça. Antônia cresceu ali. Ela batizou bonecas das outras meninas de lá, inclusive da prima Ana, e teve as suas batizadas por elas. Aos domingos, ela levava as diminutas panelas de barro que a mãe, Maria, construía, e as pequenas faziam um guisadinho: cozinhavam algum bocado de comida debaixo daquele moiteiro. Só o feijão a mãe entregava pronto. Maria, mãe de Antônia, era irmã de Geralda, mãe de Ana e Deca.

Antônia, como a irmã e muitas das primas, aprendeu a fiar, e tecer, manipulando pesados teares de madeira. Podia ouvir os primeiros acordes das violas nos Brinquedos que se realizariam na casa vizinha dos primos, ou nos que se dariam na sala ou no terreiro de sua própria casa. Conhece, assim como a prima Ana, um incontável número de versos e cantigas do Nove: “Eu mais comadre Ana, nós ia pondo verso, ia pondo verso, ô gente, nós sabia mais de cem verso”. Bem mais de cem…